Por Tiago Piassum* e Cristiano Oliveira**
Os meios de pagamento digitais têm transformado profundamente a maneira como nos relacionamos com o dinheiro. Transações que antes dependiam de cédulas físicas ou processos demorados agora podem ser realizadas com poucos cliques, de forma instantânea e eficiente. Essa transformação trouxe comodidade e segurança para milhões de pessoas, especialmente em países como o Brasil, onde soluções como o PIX revolucionaram o cotidiano financeiro. No entanto, esses avanços vêm acompanhados de desafios significativos, sendo a perda de privacidade um dos mais preocupantes. Diferentemente do dinheiro em espécie, que garante anonimato total, as transações digitais deixam rastros, expondo informações financeiras que antes eram restritas às partes envolvidas.
O dinheiro físico possui características únicas que o tornam indispensável em termos de liberdade individual. Em uma transação realizada com cédulas ou moedas, apenas quem participa da operação tem conhecimento do que foi comprado e do valor envolvido. Não existem registros digitais ou históricos financeiros acessíveis a terceiros. Essa neutralidade é uma das grandes qualidades do dinheiro físico, pois permite que indivíduos realizem compras, doações ou negociações sem medo de julgamentos externos ou potenciais violações de privacidade. Mais importante, o dinheiro em espécie não discrimina nem impõe restrições sobre como ou onde pode ser usado, funcionando como um instrumento universal que garante autonomia ao indivíduo. Ele simboliza, em última instância, uma liberdade que transcende o aspecto financeiro.
Com o avanço da digitalização, entretanto, o cenário está mudando de forma acelerada. O surgimento das moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDCs) inaugura uma nova era dos meios de pagamento, que promete eficiência e modernidade, mas também levanta sérias preocupações sobre privacidade e liberdade financeira. No Brasil, o protótipo dessa tecnologia, denominado de Drex, já está em desenvolvimento, seguindo uma tendência global. Embora as CBDCs utilizem a tecnologia blockchain, que é conhecida por sua transparência e segurança, elas operam em um modelo centralizado. Nesse sistema, todas as operações são registradas de forma imutável, com acesso direto por parte das autoridades financeiras. O objetivo declarado é melhorar o controle, a rastreabilidade e a eficiência nas transações. No entanto, o custo desse controle é alto, especialmente quando analisamos suas implicações para os direitos individuais.
A centralização inerente às CBDCs traz riscos que não podem ser ignorados. Enquanto o dinheiro físico garante anonimato, as transações realizadas com moedas digitais centralizadas são completamente transparentes para a autoridade que as administra. Em situações extremas, governos ou instituições poderiam bloquear o acesso de indivíduos aos seus recursos ou restringir o uso do dinheiro para determinadas finalidades. A ideia de que alguém possa ser impedido de gastar seu dinheiro em um bem ou serviço específico por decisão de uma entidade centralizada levanta uma questão crítica: estamos dispostos a sacrificar a autonomia individual em nome da eficiência digital? A privacidade financeira não é um privilégio, mas uma liberdade essencial para qualquer sociedade que valorize os direitos individuais.
É nesse contexto que surgem as alternativas descentralizadas, como as redes de finanças descentralizadas (DeFi), transações peer-to-peer (P2P) e as stablecoins. Essas soluções oferecem uma visão diferente para o futuro financeiro, priorizando a privacidade e a autonomia em um ambiente descentralizado. Stablecoins são moedas digitais privadas, conhecidas como criptomoedas, cuja paridade está atrelada a ativos estáveis, como moedas fiduciárias (dólar, euro) ou cestas de ativos. Essa característica elimina a volatilidade comum em outras criptomoedas, tornando-as uma alternativa mais confiável para transações e reserva de valor.
Recentemente, o Banco Central do Brasil propôs uma alteração na Resolução nº 277 que ameça minar o potencial das stablecoins e das finanças descentralizadas. A proposta busca enquadrar operações com stablecoins como operações de câmbio, limitando-as a instituições autorizadas, como bancos e corretoras. Na prática, isso significa que transações com stablecoins realizadas por meio de protocolos descentralizados ou peer-to-peer seriam consideradas ilegais.
Ao criminalizar transações descentralizadas, a regulamentação desconsidera os avanços tecnológicos que poderiam beneficiar milhões de pessoas. Em vez de fomentar um ambiente de inovação, ela restringe as possibilidades de adoção de soluções financeiras que promovem inclusão e eficiência. Embora seja inegável que o mercado de criptoativos precisa de supervisão para evitar abusos e fraudes, impor limites que desvirtuam o funcionamento essencial dessas tecnologias pode sufocar sua adoção e comprometer sua contribuição para uma economia mais inclusiva e menos dependente de intermediários centralizados.
O debate sobre moedas digitais, sejam elas CBDCs ou stablecoins, é, em sua essência, uma discussão sobre escolhas fundamentais. Se quisermos preservar a autonomia e a privacidade financeira, é essencial buscar um equilíbrio entre regulamentação e inovação, permitindo que as tecnologias descentralizadas prosperem sem sacrificar os direitos fundamentais que definem uma sociedade livre.
*CEO da Rivool Finance
**Head of research na Rivool Finance
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