Introdução
Recentemente, foi noticiado que vários bancos convencionais como, por exemplo, o Bradesco, agora iriam adotar uma política de transparência e manter aberto o registro de seus depósitos, bem como as reservas que possui em dinheiro.
Tal reação vem sendo muito exigida pelos diversos consumidores, em especial os lesados pelo colapso da FTX, e pelos investidores agora mais atentos quanto a política de transparência por parte das instituições financeiras centralizadas.
Foi-se muito documentado nos últimos tempos desde o fim do império de Sam Bankman-Fried sobre um grande aumento na demanda pelo uso de plataformas descentralizadas, no mundo das criptomoedas em especial das chamadas exchanges ou corretoras descentralizadas.
Todavia, quando se fala de instituições financeiras centralizadas: bancos centrais, bancos privados, etc. Fala-se em instituições com um histórico manchado por reservas fracionárias, insolvência, inflação e esquemas fraudulentos.
O Problema do Sistema Bancário
Em sua obra, “The Case Against the Fed”, o economista e historiador americano Murray Rothbard mostra como que, historicamente, o banco central americano (Federal Reserve) teve seu surgimento atrelado à esquemas de lobby e conluio entre diversos grandes empresários buscando suprir determinados interesses e criar demandas artificiais a partir da criação de uma entidade governamental que tivesse sob seu controle a oferta monetária de uma moeda única imposta sobre todo um território.
A questão é simples: ao colocar dinheiro em um banco de reservas fracionárias — o que quer dizer que o banco não possui 100% do dinheiro depositado nele guardado e sempre de prontidão para ser sacado, mas sim que possui somente uma fração guardada —, seu dinheiro é utilizado pelo banco para emprestar, investir, etc. E, como todo investidor, o banco também pode investir de forma errada e perder o dinheiro.
Essa entidade, o banco central, então, agora poderia controlar a oferta monetária de um país. De tal modo que, em caso de insolvência por parte dos bancos privados, bastaria que eles recorressem à grande entidade denominada Banco Central, que então pode simplesmente injetar (no caso imprimir) mais notas e dar aos bancos, o que acarreta em um efeito chamado inflação, chamado por Rothbard de “o mais terrível e silencioso roubo de todos”.
A inflação consiste no aumento da oferta monetária. Caso todas as variáveis na economia permaneçam as mesmas, tendo somente a oferta monetária aumentado, necessariamente haverá uma perda do poder de compra da moeda, de modo que, por exemplo, uma nota de 100 reais possa comprar menos coisas no mercado do que podia comprar anteriormente. Daí que o efeito muito atribuído a inflação de aumento geral de preços, mas isso é causado pela perda de poder de compra do dinheiro.
Isso tudo ocorre dentro de um fluxo dinâmico no tempo: o banco central emite mais moeda, a moeda não perde instantaneamente o poder de compra, ela precisa ainda entrar e passar a circular na economia. Desse modo, aquele que usa primeiro as novas moedas impressas obtém certa vantagem, pois os efeitos oriundos do aumento da oferta monetária ainda não ocorreram.
Na medida em que os novos dinheiros impressos circulam na economia, os efeitos da inflação tomam forma. De modo que os efeitos da inflação recaem em especial sobre aqueles que usam por último o novo dinheiro impresso.
Diante disso, pode-se ver que alguns saem ganhando às custas de outros. No processo de insolvência dos bancos e recorrência ao Banco Central, quem recebe primeiro o novo dinheiro impresso são os próprios bancos, que repassam isso depois aos clientes desses bancos, que usam esse dinheiro para investir, poupar ou simplesmente comprar insumos básicos e consumir.
No Brasil, esse fenômeno foi bem visível na década de 80 com a hiperinflação. Havia um hábito recorrente de as pessoas assim que recebiam seus salários correrem aos mercados e gastarem tudo na compra de insumos básicos, pois não se tinha segurança nenhuma de quanto de poder de compra o dinheiro dos salários perderia conforme o tempo passasse.
Hoje também se viu um processo semelhante no Brasil e também nos Estados Unidos, queixas acerca dos aumentos de preços dos insumos, as estatísticas mostrando o quanto que uma nota de 100 reais comprava no início do Plano Real e hoje. Ou do quanto que um Big Mac custava há 10 anos nos EUA e quanto custa hoje.
Ou até mesmo num país vizinho, a Venezuela, na qual o dinheiro perdeu tanto seu poder de compra que as pessoas simplesmente deixaram de usá-lo para negociar e passaram a dar às notas usos alternativos como material para artesanato ou simplesmente como artifício para crianças brincarem como se fossem piscinas de bolinhas — neste caso, de bolívares venezuelanos.
O mundo hoje é um palco recheado para mostrar os efeitos da inflação e do controle arbitrário da moeda por uma entidade central, um terceiro no qual todos nós somos coagidos a confiar.
A essa moeda emitida pelos bancos centrais dá-se hoje o nome de “moeda fiduciária” ou simplesmente “fiat”.
Historicamente, o ouro e demais metais preciosos eram utilizados como moeda, de tal modo que para algo ser uma moeda ela precisava ser reconhecida pelos diversos sujeitos em determinada região e em negociação. O ouro possuía certa preciosidade devido à sua relativa raridade nos diversos locais, de modo que os fenômenos mais primários de inflação vieram quando ourives e demais forjadores de moedas muitas vezes rompiam as ligas metálicas e, por exemplo, misturavam cobre com ouro para que se pudesse fazer mais moedas.
Em diversas regiões não havia um sistema universal de moeda, como um Banco Central ou algo parecido, somente o comum acordo entre os habitantes de determinada região eram suficientes.
Os primeiros grandes fenômenos com hiperinflação, ao menos um dos primeiros grandes fenômenos desse tipo, pode ser encontrado entre o século IV e VI no Império Romano, no qual foram utilizados diversos artifícios de rompimentos de ligas metálicas das moedas de prata e adicionou-se chumbo e cobre muitas vezes, possibilitando um aumento da oferta monetária gigantesco no Império. Isso compôs parte da razão pela qual houve no período de fim do Império Romano um grande êxodo urbano.
Hoje, temos o dinheiro físico em papel, cuja autenticidade possui diversos modos de verificação: por exemplo a marca d’água e certos padrões na nota.
Esse tipo de dinheiro, o papel, diferente do ouro, pode ser emitido em massa de uma maneira muito mais fácil do que com moedas metálicas compostas de metais preciosos como o ouro, bem como o ouro é certamente muito mais trabalhoso de se extrair e de se achar do que árvores para fazer mais papel.
Desse modo, o atual sistema monetário de dinheiro em papel emitido por Banco Central denota uma dependência estrita de confiar nosso dinheiro a terceiros, pois são eles que emitem e controlam até mesmo o poder de compra de nosso dinheiro.
Outro problema relacionado às moedas fiduciárias tocam hoje inclusive ao desaparecimento do dinheiro físico, das notas, e hoje o dinheiro muitas vezes se resume a números na frente de uma tela, com transferências feitas por aplicativos de bancos, podendo ser fiscalizadas e taxadas pelo governo, toda movimentação, desse modo, é vista e mediada por instituições como o governo e o banco, não havendo privacidade alguma.
A Revolução Satoshi
Contudo, com os diversos avanços na tecnologia advindos desde 1980, em especial em uma área: a criptografia, veio se estudando a possibilidade de transpor toda a dimensão da criptografia para o sistema monetário, descrevendo de forma grosseira, esse processo todo culminou, em 2008, na criação do Bitcoin, um meio de troca peer-to-peer descentralizado.
O Bitcoin é uma criptomoeda, uma moeda criptográfica, cuja criação e utilização resolve um problema que denominamos de “o problema da terceira parte confiável”, que permeia todo o sistema monetário que hoje tomamos como sendo o convencional: confiar num terceiro, os bancos, para custódia, recebimento e controle do dinheiro.
O Bitcoin, sendo um meio descentralizado (diferente de um sistema com Banco Central) e peer-to-peer — ponto a ponto, que significa que uma pessoa ao utilizar Bitcoin em negociações troca diretamente com a outra e não precisa de um intermediário como um banco ou algo parecido —, acaba por tirar qualquer necessidade de haver um banco para custodiar nosso dinheiro: podemos colocá-los em nossas próprias carteiras e nós mesmos tomarmos a responsabilidade de custodiá-los.
Com o Bitcoin e com as demais criptomoedas que partilham desse mesmo sistema, a existência dessas instituições centralizadoras é vista de diversos pontos como ameaçada, exigindo uma renovação por parte delas mesmas. Mas, todavia, no mundo crypto também existe uma série de entidades que possuem graus de centralização, a mais famosa delas sendo as assim chamadas exchanges ou corretoras centralizadas.
A função delas, para muitos, é tal como a de um banco, e de fato pode sê-lo; afinal, as pessoas podem escolher continuar usando bancos mesmo não havendo necessidade de todos fazerem isso. E o histórico das várias corretoras centralizadas hoje faz-se parecido com os das entidades convencionais do sistema financeiro: recentemente com a FTX e com diversas outras corretoras que se provaram como sendo esquemas fraudulentos.
O ocorrido com a FTX, todavia, foi quase que equivalente com o ocorrido com o banco Lehman Brothers em 2008 mas no mundo crypto, pois a corretora era a segunda maior do mercado, movimentando bilhões em dinheiro e tendo sob custódia o dinheiro de inúmeras pessoas.
Caso os bancos queiram continuar sendo instituições às quais as pessoas dão confiança, agora precisam lidar com seu monopólio quebrado e buscar de fato se reinventar, do contrário irão ser substituídas pelos mecanismos de seleção dos investidores, empreendedores e consumidores no mercado por instituições melhores e que atendam de melhor forma as demandas das pessoas.
Conclusão
Com a recente declaração por parte de bancos como o Itaú e o Bradesco de tornarem públicas suas carteiras, desse modo mostrando o quanto o atual sistema bancário se vê ameaçado e devendo seguir cada vez mais a tendência de imitar os padrões das exchanges centralizadas que permanecem no mercado, adotando políticas de transparência a respeito dos fundos geridos.
As corretoras, todavia, usam criptomoedas, cada qual possui sua blockchain, isto é, seu livro-razão aberto no qual é possível verificar as movimentações na rede que, diferente dos aplicativos de banco, possuem pseudonimato de modo que torna possível a manutenção ou publicização da privacidade das carteiras conforme os anseios do detentor da carteira.
Os bancos, todavia, são entidades centralizadas, cujas moedas são vinculadas a uma entidade central última, o Banco Central, adicionando então uma barreira adicional de confiança: como garantir que de fato o número exposto na carteira pelos bancos corresponde ao que ele realmente possui?
Essa dúvida é levantada e discutira também em nosso canal Bitcoin Block, confira também nosso último vídeo
Fontes e Referências
Rothbard, Murray N., The Case Against the Fed;
Id., What has Government Done to Our Money?
Id., The Economic Thought Before Adam Smith;
McElroy, Wendy, Revolução Satoshi: A Revolução das Esperanças Crescentes;
Escrito por: Vitor Gomes Calado