O crescimento econômico dos Estados Unidos ao longo do último século foi
sustentado por uma combinação rara de abertura comercial, ambiente regulatório
favorável à inovação e um ecossistema competitivo que fez com que o país se
tornasse a maior economia do mundo e liderasse todas as revoluções tecnológicas
do período.
No entanto, a nova onda protecionista liderada por Donald Trump, em seu retorno à
presidência dos EUA, coloca em xeque essa espinha dorsal do dinamismo
americano — com reflexos diretos sobre a principal corrida tecnológica da
atualidade: o desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA).
O tarifaço proposto, que amplia tarifas de importação inclusive sobre
semicondutores e componentes eletrônicos vindos da Ásia, especialmente de
Taiwan, deve encarecer significativamente a base material sobre a qual a IA é
construída. Segundo o Semiconductor Industry Association, mais de 90% dos chips
avançados consumidos globalmente são produzidos em Taiwan. Ao elevar os
custos desses insumos, os EUA arriscam inviabilizar parte dos investimentos em
pesquisa e desenvolvimento em IA, num momento em que investidores já
questionavam se fazia sentido alocar tanto capital no setor.
Mais recentemente, Trump criou restrições para a exportação de servidores de IA
por empresas como a NVidia. Isso reduz o mercado potencial das empresas
americanas, reduzindo, também, sua capacidade de investimento
Além dos impactos diretos, há um efeito indireto de igual ou maior relevância: a
instabilidade política e comercial gerada pelo protecionismo reduz a previsibilidade
e, consequentemente, o valor de mercado das grandes empresas de tecnologia.
Apenas em abril, as 7 magníficas, apelido dado às sete maiores empresas de
tecnologia americanas, como Apple, Google e Amazon, perderam mais de US$ 2
trilhões em capitalização das suas ações. Essa redução compromete sua
capacidade de atrair capital, justificar investimentos e realizar aquisições
estratégicas — elementos centrais na dinâmica atual da inovação em IA.
Outro reflexo geopolítico do tarifaço é o agravamento, junto aos demais países, da
percepção de risco ao depender de um único país, seja ele os EUA ou a China, para
o fornecimento de tecnologias críticas. Esse sentimento já provoca movimentações
importantes. A União Européia, por exemplo, cuja participação na corrida da IA é
desproporcionalmente pequena frente ao seu PIB (responsável por cerca de 14% da
economia global, mas menos de 5% dos investimentos globais em IA, segundo a
OECD AI Observatory), começa a sinalizar políticas mais robustas de fomento à players locais. A Comissão Europeia já discute uma nova linha de financiamento
para startups em IA, com foco em soberania tecnológica.
Movimento semelhante, mas em menor escala, deve ocorrer no Brasil. A crescente
insegurança sobre o papel hegemônico dos EUA abre espaço para o estímulo ao
desenvolvimento de soluções nacionais, especialmente em setores estratégicos
como agronegócio, saúde, comunicação e segurança pública. A soberania nacional
já era citada no Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, apresentado ano passado e
que prevê R$ 23 bilhões em investimentos até 2029.
Por fim, o questionamento ao excepcionalismo americano —tese de que os EUA
têm uma combinação incomum de vantagens competitivas que faz com que seja
imbatível na concorrência entre nações — pode resultar na redistribuição de capital
de risco em direção a mercados emergentes. Segundo a Crunchbase, em janeiro de
2025, 60% do investimento de fundos de risco em IA foram para empresas
americanas. Essa proporção deve diminuir com a mudança de percepção de risco
da economia americana. Esse novo fluxo de capital pode beneficiar mercados como
o brasileiro, grandes, culturalmente similares aos investidores ocidentais e com um
ecossistema de inovação estruturado.
Em síntese, o tarifaço de Trump, ao tentar ressurgir a indústria americana do século
XX, pode acabar minando uma de suas maiores vantagens: a de liderar a economia,
a geopolítica e a inovação do bloco ocidental. No curto prazo, o cenário pode
desacelerar o desenvolvimento da IA em solo americano. No médio prazo, no
entanto, deve fomentar um ambiente mais plural, competitivo e distribuído
globalmente. Para países como o Brasil, é uma oportunidade rara: quando o
consenso de que os EUA é o melhor lugar para alocar capital de inovação é
questionado, após o caos, devem surgir oportunidades para opções próximas,
amigáveis e grandes, como o nosso país.
Sobre Lucas Reis: Lucas Reis é Doutor em Comunicação, Pesquisador Associado
do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT-DD),
fundador da Zygon Adtech, da Digital IsCool e da Trezion AI Solutions, Presidente
da Associação Baiana do Mercado Publicitário (ABMP) e Vice-Presidente de
Operações do IAB Brasil.
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