A Mania dos Tulipas, que aconteceu há 386 anos na Holanda, é considerada a primeira bolha registrada na história. A Idade de Ouro Holandesa viu o país se tornar a maior superpotência econômica do mundo, e com a introdução das tulipas, um produto peculiar, foram inaugurados pela primeira vez registrada na história os contratos futuros, isso tudo levou a uma especulação frenética e a formação da primeira bolha especulativa. As tulipas foram vendidos por até dez vezes o salário anual de um artesão habilidoso, e eventualmente, a bolha estourou.
A comparação entre Mania dos Tulipas e Bitcoin tem sido popular, com Nout Wellink, o antigo presidente do Banco Central Holandês, chamando o Bitcoin de “pior que a Mania dos Tulipas” em 2013. O argumento era que o Bitcoin não tem valor intrínseco, já que é respaldado por um registro descentralizado e criptografado (a blockchain) e não tem presença física.
Fundamentalmente, este argumento lembra um outro famoso argumento, o do Teorema da Regressão, de que uma moeda tem seu preço respaldado no presente pelo seu preço no passado: então o preço do dólar hoje é respaldado no preço do dólar de ontem, até os tempos do padrão-ouro no dólar e, daí, até o tempo em que se usava somente ouro e, daí, até o momento em que se passou a utilizar o ouro como moeda — cujo preço nesse momento era respaldado no valor que as pessoas davam ao ouro enquanto bem de consumo e não como meio de troca.
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A declaração do ex-presidente do Banco Central Holandês ocorreu pouco antes de uma queda brusca no preço do Bitcoin. Desde então, todavia o preço do ativo foi resiliente e, no longo prazo, subiu mais ainda.
Fonte
Esta regressão rígida para a moeda coloca um problema no Bitcoin: em que tipo de bem seria ele lastreado? A resposta parece ser uma só: nenhum. Mas, será mesmo que por isso o Bitcoin não poderia ser uma moeda?
Uma premissa fundamental que assumimos aqui é a de que: a valoração de produtos, a consideração das coisas enquanto bens e enquanto coisas úteis, isto é, que servem para algo — no caso do Bitcoin, para ele servir de meio comum de troca, isto é, moeda — está fundamentada sobre as ações concretas das pessoas na economia e na vida em geral.
Tendo isso como fundamento, podemos dizer que não somente coisas físicas são as que podem estar fundamentadas nisso, as expressões dos indivíduos na economia visam suprir, necessariamente, demandas. Demandas individuais que são, a exemplo geral, amplamente resolvida por bens de consumo físicos, mas também por serviços.
O Bitcoin pode ser colocado, e seu lastro pode muito bem, como suprindo a demanda por determinados serviços, a saber, a gama de serviços que uma moeda tipicamente oferece (como facilidade no transporte, divisibilidade e demais características) e algo a mais: o Bitcoin pode, ou pelo menos propõe poder, ser transferido de forma notavelmente rápida pelo mundo inteiro, essa demanda suprida, portanto, a fins de encurtar a discussão, fornecendo de fato um lastro ao Bitcoin, somado a sua escassez e a demais especificações técnicas.
Para mais, recomendo leitura do texto Sobre as Origens do Bitcoin: Estágios da Evolução Monetária
Bitcoin e tulipas: suas manias
O Bitcoin, pode ser bem dito, teve suas “manias” pelo menos quatro vezes no passado. A mais famosa acredito eu em 2017 alcançado pela primeira vez o preço de US$20.000. No entanto, o preço do Bitcoin pouco depois caiu em 65%.
O mercado de tulipas na Holanda no auge da Mania dos Tulipas viu alguns buquês de tulipas serem vendidos por mais de dez vezes o rendimento anual dos mais habilidosos artesãos. O fenômeno, todavia, foi mais um evento socioeconômico do que uma crise econômica significativa — pois não teve influência crítica na prosperidade da República Holandesa. O termo “mania dos tulipas” agora é usado para se referir a qualquer grande bolha econômica na qual os preços de ativos se desviam dos valores intrínsecos.
Em conclusão, apesar de a Mania dos Tulipas e o Bitcoin compartilharem semelhanças, é importante notar que a Mania dos Tulipas foi um evento socioeconômico que aconteceu durante a Idade de Ouro Holandesa, enquanto o Bitcoin é uma criptomoeda descentralizada que já enfrentou especulação frenética e de fato pode estar sujeita a bolhas.
Mas a pergunta que fica é: o Bitcoin é uma bolha? Como os leitores deste jornal cripto já devem saber, junto comigo: não. Mas isso não quer dizer que bolhas não possam ser formadas em cima do preço de um ativo como o Bitcoin: quando a preocupação com o ativo se torna não proteger seu dinheiro ou usar uma alternativa mais sólida e sem necessidade de confiança em terceiros mas sim em especular e simplesmente “ficar rico”, talvez aí esteja um comportamento que, em massa, possa gerar uma bolha: um aumento de preço que possui lastro apenas em ganância e não no interesse real pelo serviço oferecido pelo ativo, e que uma hora, estoura.
Esse “estouro” nessas “bolhas periódicas” afastam as assim chamadas “sardinhas” do mercado do Bitcoin: aqueles recém-chegados atraídos por euforia e mídia. Por meio dessas bolhas que podemos até mesmo chamar de um “mecanismo de seleção”, somente os investidores interessados genuinamente na moeda em geral acabam levando o melhor, esses que são chamados de “Baleias”: que estão há muito tempo nesses mares, pelos fundamentos e não pela mera especulação ou euforia.