Utilizado como fonte alternativa de financiamento, mecanismo beneficia empresas e investidores
Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – conhecidos como FIDCs – vem se destacando como uma alavanca para o crescimento e desenvolvimento das startups do setor financeiro no Brasil. Utilizados como uma fonte alternativa de financiamento, os FIDCs permitem que essas empresas expandam suas operações, desenvolvam novos produtos e invistam em tecnologia. A principal vantagem do modelo é a possibilidade de reduzir a dependência das startups de empréstimos bancários tradicionais, uma vez que as empresas podem acessar o mercado de capitais diretamente, diversificando suas fontes de financiamento e estabelecendo regras de entrada mais flexíveis. Mas os FIDCs também oferecem uma linha de receita adicional, essencial para startups em fase de ganho de escala, contribuindo para o incremento do faturamento recorrente e apoiando o amadurecimento do core business das empresas.
“Os FIDCs são fundos de investimento que adquirem direitos creditórios, ou seja, créditos que as empresas têm a receber, como duplicatas, cheques, contratos de aluguel ou outros tipos de recebíveis”, resume Rafael Moreira, founder e CEO da gestora Bertha Capital. “Ao comprar esses créditos, os FIDCs fornecem liquidez imediata às empresas, permitindo que elas obtenham caixa rapidamente, em troca do direito de receber os valores desses créditos no futuro. O mecanismo beneficia tanto as empresas, que conseguem recursos financeiros de forma ágil, quanto os investidores, que buscam retornos potencialmente mais altos.”
Os créditos adquiridos são selecionados e organizados dentro do fundo, e os retornos para os investidores vêm dos pagamentos realizados pelos devedores dos direitos creditórios – assim, o rendimento do fundo depende diretamente da capacidade dos devedores de quitarem suas dívidas, o que exige uma gestão cuidadosa dos riscos associados. Para diminuir o risco de inadimplência, os fundos podem incluir diversas camadas de proteção, como garantias e seguros.
Ampliando essa análise, hoje, as operações de antecipação de recebíveis de cartão de crédito usam majoritariamente a estrutura de FIDCs, e, cada vez mais, o mesmo ocorre para outras formas de recebíveis. Com a recente mudança nas regras da CVM, espera-se que haja uma maior flexibilização, que vai ajudar também na captação de recursos para FIDCs e permitir que ela invista em maior número de ativos, incluindo recebíveis internacionais, algo a que a fintech brasileira a55, referência nacional em antecipação de duplicatas e cartão para empresas, já está habituada, dada sua presença no mercado mexicano.
FIDC multiestratégia
A utilização dos FIDCs sempre esteve presente na rotina da a55, fintech brasileira que recentemente expandiu sua operação de processamento de pagamentos de cartão de crédito e antecipação de recebíveis com a entrada da Paysecure em seu quadro acionário. Com o investimento, a a55 aumentou significativamente o volume de transações processadas, passando a poder atender um número maior de lojistas na América Latina. “Nesse cenário, os FIDCs emergem como uma das frentes de soluções adequadas, proporcionando uma ponte entre a originação de ativos pela a55 e a captação de recursos junto a investidores interessados em diversificar suas carteiras e participar do lucrativo mercado de dívida”, afirma André Wetter, CEO da a55.
Conforme o executivo, os FIDCs são instrumentos de securitização alinhados à estratégia da a55. Com a nova normativa é possível também criar FIDCs multiestratégia, o que torna a modalidade ainda mais interessante. “A a55 procura alavancar sua estratégia e busca investidores que gostem da modalidade de antecipação de cartão de crédito ou de duplicatas para o mercado de logística e supply chain para investir em conjunto em suas operações, e o FIDC é perfeito para investidores, dado o maior grau de governança”.
Os produtos da a55 convergem diretamente com a aquisição de direitos creditórios e, desde sua fundação, a empresa tem trabalhado com a securitização dos mesmos, independente se em modelo de antecipação de duplicatas e cartão ou crédito com garantia sobre recebíveis. “A startup hoje processa seus recebíveis via sua plataforma de cobrança e orquestração de pagamentos, tendo a constante necessidade de oferecer também serviços de antecipação. Dessa forma a a55 detém maior controle sobre os recebíveis e seu desempenho, já que estão ‘dentro de casa’”, finaliza André Wetter.
Aceleração de Fintechs com uso de FIDCs
A Darwin Startups, reconhecida por desenvolver relações estratégicas entre investidores, corporações e startups, enxerga o uso de FIDCs como uma importante alavanca de crescimento para startups de crédito e uma alternativa de novas fontes de receitas para startups que contam com o seu próprio ecossistema de clientes.
“FIDC é dinheiro para empréstimo e toda startup de crédito precisa de dinheiro para emprestar. Então, é natural que uma startup de crédito tenha um FIDC em algum momento. Só que é caro ter um FIDC, então só startups que já estão escalando conseguem custear essa operação. No começo, geralmente as startups exploram outras alternativas de securitização com custo mais aderente a uma escala ainda pequena. Mas, independente do veículo de securitização, esse tipo de operação é a principal chave para o ganho de escala de startups que desejam emprestar dinheiro aos seus clientes”, destaca Murilo Domingos, diretor de Portfólio na Darwin Startups.
Dois exemplos de fintechs investidas pela Darwin que têm ligação direta com a modalidade são o CondoConta, que utiliza FIDCs, e a Giro.Tech, que monta FIDCs para as startups. No CondoConta, dedicado a serviços e gestão para condomínios, o fundador e CEO Rodrigo Della Rocca acredita que os FIDCs oferecem diversas vantagens.
“Primeiramente, eles permitem o acesso a capital de forma eficiente, proporcionando maior liquidez para a operação de crédito. Além disso, os FIDCs seguem regulamentações rigorosas, o que garante transparência e uma governança robusta, elevando a qualificação dos processos internos”, ressalta. O executivo também salienta que os FIDCs otimizam o fluxo de caixa e aumentam a capacidade de crescimento da carteira de crédito com baixo uso de recursos do caixa da empresa, graças ao efeito de alavancagem. “Isso possibilita que esses recursos sejam direcionados para o crescimento e a inovação”, ele prossegue. “Além disso, os FIDCs melhoram a competitividade do CondoConta, proporcionando escalabilidade e oferecendo uma estrutura financeira robusta que pode suportar a expansão dos negócios de maneira sustentável”.
Um exemplo prático é o uso dos FIDCs pelo CondoConta para sua operação de Receita Garantida. “Isso nos permite antecipar recebíveis dos nossos condomínios, gerando ao síndico uma garantia de recebimento integral da arrecadação das cotas condominiais todos os meses. Essa estratégia nos ajuda a escalar nossas operações para todo o Brasil e a oferecer um serviço mais confiável aos nossos clientes”, afirma.
Já Ronaldo Oliveira, fundador e CEO da Giro.Tech, que transforma startups e empresas não financeiras em fintechs de crédito, reforça a importância da modalidade para gerar novas receitas, uma vez que possibilita utilizar seu próprio capital como investidor do FIDC e ficar com as receitas de juros da operação; ou acessar capital de terceiros como investidores do fundo e assim ficar com uma receita de originação de negócios. “Para o investidor, ele consegue correr um risco isolado da operação de crédito apenas, sem ter todo o risco que a empresa traz”, explica.
O executivo diz que os FIDCs são uma forma importante de ampliar as fontes de receitas para startups que não nascem com a tese de crédito como core business. “O FIDC, com a bancarização empresarial, tem sido estratégico para que as empresas assumam a posição do banco em oportunidades de crédito que conseguem originar. Um exemplo claro são empresas do varejo que montam seu braço financeiro, como MagaluBank e MercadoPago, e passam a financiar as melhores oportunidades de crédito do seu ecossistema. Com a modernização das estruturas de securitizadoras e FIDCs, contando com a ajuda de empresas de infraestrutura de crédito, é possível colocar de pé uma operação com tempo e custo que cabem no bolso da startup”, completa.
Vantagens para empresas, investidores, e para o mercado financeiro como um todo
A principal vantagem oferecida pelos FIDCs às empresas, claro, é o acesso a capital de giro: ao transformar seus ativos em liquidez imediata, as empresas conseguem financiar suas operações e investir em crescimento sem depender exclusivamente de empréstimos bancários tradicionais. Já para os investidores, os FIDCs são uma boa oportunidade de diversificação de risco: investindo em diversos recebíveis, a exposição a um único devedor ou setor é reduzida, o que dilui o risco da carteira.
“Outras características interessantes dos FIDCs são flexibilidade e liquidez, o que permite uma maior adaptação às necessidades específicas dos investidores e emissores, com diferentes arquiteturas de regulamentos e classes de entrada”, aponta Rafael Moreira, da Bertha Capital. “Além disso, o potencial de retorno é atrativo, muitas vezes superior ao de investimentos tradicionais de renda fixa.”
Segundo Rafael, os FIDCs contribuem também para a descentralização e a democratização do acesso ao capital, o que beneficia o mercado financeiro como um todo ao permitir que setores específicos da economia contem com uma fonte alternativa de financiamento. “Isso é ainda mais vantajoso em ambientes de taxas de juros baixas, onde a busca por retornos atrativos se torna mais desafiadora”, ele destaca.
Para Yuri Lukjanenko, CFO na Triven, os FIDCs também são estratégicos para contornar alguns desafios impostos por outros modelos de captação, como equity e empréstimos. “Às vezes, os FIDCs são a única opção para uma startup receber recursos. Isso porque outras estratégias têm seus limites. Por exemplo, talvez, naquele momento, o empreendedor não tenha interesse em diluir sua participação na empresa, então uma injeção de capital não é interessante. Já os empréstimos dependem da capacidade da empresa em pagar essa concessão, o que pode fazer com que os bancos não tenham um apetite tão grande para emprestar o dinheiro. Com os FIDCs, o empreendedor consegue se libertar desse engessamento”, explica.
O cenário para o mercado de FIDCs no Brasil é promissor, com expectativas de crescimento contínuo à medida que mais emissores e investidores reconhecem os benefícios desse veículo de investimento. Segundo Rafael Moreira, da Bertha Capital, a tendência é que o acesso ao investidor individual se torne mais pulverizado, ampliando a base de investidores e equilibrando o mercado em torno de taxas de juros mais atrativas. “Essa expansão oferece um ambiente competitivo, especialmente vantajoso para startups do setor financeiro que buscam novas formas de captação de recursos”, ele afirma. A própria Bertha Capital, por exemplo, desenvolve novos FIDCs e aloca recursos em startups que contribuem para a cadeia de crédito – exemplos das soluções desenvolvidas por essas empresas incluem rastreabilidade de recursos, análise de crédito com uso de inteligência artificial, esteira de crédito e motor de crédito.
Além do crescimento, há uma previsão de inovação estrutural nos FIDCs para atender às demandas específicas de segmentos emergentes, como as fintechs. A evolução contínua da regulamentação deve garantir mais transparência, segurança e eficiência no mercado, e a integração com tecnologias avançadas, como blockchain e inteligência artificial, deve trazer ainda mais eficiência operacional e criar novas oportunidades, consolidando os FIDCs como uma importante ferramenta para o crescimento e desenvolvimento das startups financeiras no Brasil.