Recentemente, o FMI lançou um relatório acerca da estabilidade financeira global, com uma conclusão muito similar. No relatório, podemos compreender como o coronavírus apenas desencadeou o efeito de uma crise econômica que já estava se desenvolvendo.
O começo deste ano foi dominado por um otimismo econômico, contando com o suporte de uma política monetária mais frouxa, uma vez que haviam “sinais de estabilização econômica”. Porém, sabe-se que os pilares deste otimismo são baseados em missinterpretation da economia, uma vez que as intervenções dos governos distorcem as decisões mercadológicas.
Agora, com a COVID-19, adentramos de vez em uma instabilidade econômica, onde as decisões passadas que previam um futuro otimista confrontam uma outra realidade. Este comportamento é refletido em queda nos preços dos ativos de risco e na subida de ativos “conservadores”, como o ouro e títulos públicos.
Até o bitcoin teve um aumento na demanda. Essa volatilidade do mercado, somando com a inadimplência, fez com que o custo de empréstimo subisse de forma generalizada. Tudo isso acabou resultando em um “aperto” na, até então, frouxidão do mercado financeiro.
“Até começar a parecer ordem, o caos não é perigoso.”
-Max Gunther
Uma crise esperada e antecipada pela pandemia
Este aperto acaba por evidenciar vulnerabilidades no mercado financeiro, que poderão servir para separar o “joio do trigo”, onde as instituições financeiras que não resistirem e acabarão saindo mercado.
Ainda que dependendo da política que se faça pós crise, isso possa ser uma experiência que mude os ramos das instituições financeiras para uma complexidade mercadológica mais saudável no longo prazo. No curto prazo, isso pode pôr em evidência a fragilidade destes mercados, uma vez que poderá haver a liquidação dos ativos alavancados.
A experiência de um futuro que contrasta o otimismo de mercado no começo do ano poderá fazer com que estes ativos sejam vendidos em um mercado que já está em queda, evidenciando uma economia com um alto risco de crédito e de mercado. Conforme a imagem abaixo, as expectativas do risco de mercado estão em níveis que, em experiências passadas, sempre antecedem a uma recessão econômica.
O mercado de crédito dos ativos de risco: fraquezas expostas
Desde a última crise financeira, houve uma expansão do mercado de crédito de ativos de risco. Um ativo de risco é um ativo que carregará um grau alto de volatilidade nos preços. Ações, commodities, moedas e imóveis, por exemplo, são ativos de risco.
No setor bancário, este ativo será de propriedade do banco que pode variar dependendo do risco de crédito, mercado, qualidade do crédito, risco de reembolso e das taxa de juros.
A queda na emissão de crédito alavancado sinaliza perdas substanciais aos bancos, que até então tinham um forte papel na emissão de crédito. As limitações acerca deste papel fará com que a recessão seja mais acentuada, sem a suavização que é resultado da provisão de crédito.
Esta complexidade financeira apoiada em Collateralized Loan Obligation (CLO) — um quarto de emissão de crédito — se tornou uma lacuna frágil no sistema financeiro; agora, o coronavírus expôs o problema.
Os títulos lastreados em CLO, que vinham subindo desde 2010, acabaram tendo, também, uma grande queda. Isso mostra que os investidores mais sensíveis as taxas de juros acabaram por reduzir sua demanda por estes ativos.
As fraquezas deste mercado de crédito estão na não-transparência e na baixa visibilidade das partes que contratam este serviço. As vulnerabilidades também estão sustentadas por uma qualidade de crédito mais fraca dos tomadores de empréstimos, baixo filtro para adesão do crédito, alto risco de liquidez em fundos de investimentos e alta concentração de credores.
O alto nível de complexidade e interconexão do ecossistema também tem um ponto muito forte, uma vez que uma recessão neste setor poderá se alastrar para os demais setores.
Ayr Bank: disciplina como contra-ponto a regulação
As análises e os dados que o FMI nos traz são esclarecedores, mas o sua solução é mais do mesmo. Como grande parte do crédito fornecido provém de instituições financeiras não-bancárias, o FMI sugere regulações para este mercado. Eu concordo que estas instituições não possuem a maturidade mercadológica para se manter no mercado, alem de ter baixa capacidade de gerenciar seus riscos, mas a solução está na disciplina, não na regulação.
No passado, a Escócia teve uma experiência financeira com um grande grau de liberdade, onde a disciplina dos bancos proveniente de suas experiências evitaram os mesmos de submeter crédito de baixa qualidade. Porém, a Ayr Bank ousou uma estratégia de crédito generoso.
Naquela época, os bancos emitiam uma “documento informal de reconhecimento de dívida”, os IOUs. Nele, especificava-se o devedor e o valor devido. Quando o crédito barato era jorrado na economia e parava na mão de outros bancos escoceses, estes bancos corriam ao seu adversário mais agressivo e trocavam suas IOUs pelo pagamento devido. Esta disciplina acabava fazendo com que o sistema financeiro fosse mais saudável, ainda que na ausência de um banco central.
Obviamente o Ayr Bank acabou falindo e levou pequenos bancos com ele, mas o mesmo não aconteceu com todo o sistema financeiro. Podemos destacar que a responsabilidade e a capacidade de prever a insolvência de um banco — sem ser resgatado por um “pagado último” — disciplinou o mercado ao ponto de jogar para fora da economia um instituição de crédito de baixa qualidade.
A pandemia expõe a fragilidade e crise do sistema
Podemos concluir que o sistema financeiro global está sustentado por pilares frágeis, suportados pelas políticas monetárias. O coronavírus não é o causador da crise econômica, apenas antecipou o que já se esperava e as soluções pós-crises serão mais das mesmas: mais regulação e resgate aos sistemas financeiros falidos.
Na economia, o custo e o prejuízo possuem uma função importante de guiar os empreendedores que agirão com as experiências do passado. Se a experiência do passado é ser socorrido mediante um missmatching de suas expectativas mercadológicas com o real acontecido, ele não levará aprendizado algum — e se esta ação é resultado de má-fé, ele entenderá que poderá se aproveitar destas situações.