Com ajuda de Derek Robertson e Daniel Lippman
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CAMBRIDGE, MASSACHUSSETS — O Bitcoin foi feito para contornar os bancos centrais do mundo, de modo que a ideia de esses bancos comprarem Bitcoin em grandes quantias é algo que vai do contraintuitivo até o absurdo.
Mas depois de os governos ocidentais congelarem as reservas de câmbio internacional da Rússia no início deste ano, surgiu a especulação de que alguns bancos centrais estariam adquirindo criptomoedas como forma de garantia contra bloqueios financeiros dos EUA e de seus aliados.
Nos meses desde então, isso permaneceu sendo um pouco mais que uma especulação. Mas a ideia permaneceu uma fixação entre investidores de Bitcoin, que tendem a não apoiar os objetivos da política externa dos EUA, e que vêem como uma boa coisa que a cripto possa providenciar uma alternativa.
As esperanças dos bitcoiners giram muito em torno dos estados do Golfo, com suas imensas reservas de caixa e relações muitas vezes tensas com o Ocidente. Em agosto, uma conta do Twitter inspirada por essa possibilidade, Sheikh Roberto, surgiu para promover o uso do Bitcoin e para atacar o Fed em posts filmados em El Salvador.
Semana passada, testamos essa ideia em conversas com empreendedores de cripto ao lado da cúpula do Milken Institute em Abu Dhabi, no Oriente Médio. Lá, não tivemos nenhuma pista de que os bancos centrais dos estados do Golfo estariam considerando comprar Bitcoin, apesar de seu interesse em tecnologia blockchain.
Mas em outro lugar a ideia está muito viva, ao menos em teoria. Um novo documento técnico sobre o assunto escrito por Mattew Ferranti – um estudante de PhD no quinto ano no departamento de economia de Harvard e conselheiro de Ken Rogoff, um antigo economista no FMI e no Conselho de Governadores do Federal Reserve e que agora é um professor de Harvard – causou um grande estrondo.
Nele, Ferranti argumenta que faz sentido que tantos bancos centrais mantenham uma quantia pequena de Bitcoin sob circunstâncias normais, e muito mais Bitcoin caso eles enfrentem riscos de sanções, embora sua análise veja que o ouro é mais seguro para cobrir as sanções.
DFD se reuniu com Ferranti na Cabot Science Library de Harvard para discutir o documento técnico, que não foi revisado por pares desde sua publicação inicial online no fim do último mês.
Que implicações têm os seus achados?
Você pode ler as opiniões editoriais no Wall Street Journal, por exemplo, onde as pessoas dizem “Nós exageramos nas sanções. Elas vão nos afetar de volta porque as pessoas não vão querer usar dólares”. Mas a contribuição de meu documento é colocar um número nisso e dizer, “Ok, o quão importante isso realmente é? O quanto deveríamos nos preocupar com isso?”
Os números que resultaram disso são esses sim, é preocupante. Não se trata de você simplesmente mudar seus títulos de Tesouro em 1 por cento ou algo parecido. É muito mais que isso.
Em vez de cobrir o risco de sanções com o Bitcoin, os governos não deveriam apenas evitar fazer coisas ruins?
Não um simples ato seu que faz os EUA te adicionar na lista de sanções.
Se a única coisa que poderia te fazer sofrer uma sanção fosse, por exemplo, invadir outro país, então a maior parte dos países, na medida em que eles não planejarem invadir seus países vizinhos, não precisam se preocupar com isso no final das contas, e então minha pesquisa se torna menos relevante.
Mas é uma coisa um tanto nebulosa. Isso pode fazer os países pararem e pensarem, “o quão confiável são os EUA?”
O documento não diz nada sobre se aplicar sanções é uma coisa boa ou má. Há uma ampla literatura sobre o quão efetivas são as sanções. E eu acredito que o número que resulta disso é aproximada um terço do tempo em que elas ficam em vigência. É claro, elas podem ter consequências não intencionadas, como ferir a população do país que se está sancionando.
Ouvimos muito sobre criptos e evasão de sanções, mas, do ponto de vista das reservas do banco central, descobre-se que o ouro é uma reserva mais útil. Por quê?
Porque ele é muito menos volátil. Ele é cerca de cinco vezes menos volátil.
[Coincidentemente ou não, o nível de acumulação de ouro pelos bancos centrais quebrou o recorde anterior de todos os tempos no terceiro trimestre deste ano, embora ainda seja um mistério quais os bancos centrais que estavam comprando. –Editor.]
Então por que um banco central se importaria com Bitcoin?
Eles não estão correlacionados. Ambos de certa forma variam, de modo que existe benefícios em possuir ambos.
E se você não conseguir ouro suficiente para cobrir adequadamente seu risco de sanções — pense em um país que tem uma infraestrutura muito ruim, não tem capacidade para armazenar grandes quantidades de ouro ou países cujas reservas são tão grandes que simplesmente não podem comprar ouro o suficiente. Lugares como Cingapura e China. Você não pode simplesmente virar e comprar US$ 100 bilhões em ouro.
Com base na experiência desastrosa da Rússia com as privatizações na década de 1990, alguns diriam que a lição da história recente para os países não ocidentais é: “Cuidado com os conselhos dos economistas de Harvard”. Deveriam as pessoas confiar em seus achados?
[Risos] Esta é uma estrutura a se pensar acerca deste tópico. Você pode ou não concordar com as suposições implícitas nele. Altere o número e execute novamente e você obterá resultados que são personalizados de acordo com suas crenças.
Se você estivesse aconselhando o Departamento do Tesouro sobre sua política de sanções, o que você diria a eles?
Acredito que a decisão de congelar as reservas do país é tão carregada de consequências que ela deve ser feita pelo presidente.
O que você diria ao presidente?
Tente pôr a concretude acima da nebulosidade de como aplicamos as sanções.
Traduzido por Vitor Gomes Calado, de “Harvard paper to central banks: Buy Bitcoin!”