A PL das Fake News ou PL 2630, também tomada também como “PL da Censura”, que talvez lhe seja um rótulo adequado, é um projeto de lei polêmico que visa combater a “desinformação na internet”, a suposta principal motivação para a elaboração do projeto de lei foram as recentes turbulências ocorridas desde o início deste ano: começando com o ocorrido no dia 8 de Janeiro deste ano (invasão na esplanada dos ministérios) e passando pelos recentes e lamentáveis ataques nas escolas que ocorriam desde o ano passado mas hoje tomaram uma conotação política.
PL das Fake News: Regular o que se pode ou não falar é absurdo e impraticável
Regular o que se pode ou não falar é absurdo, pois implica em exigir do aparato do estado, um aparato jurídico, que prenda aqueles que falam coisas indesejadas, obviamente palavras e ideias tem consequências, mas onde a consequência envolve prender aqueles que falam?
Ninguém realmente gostaria de ter a seu lado — a não ser que seja um simpatizante — pessoas que partilham de ideais supremacistas, de certas visões nocivamente preconceituosas e, num país com 200 milhões de habitantes, onde há tantos problemas a mais do que falas ofensivas como assassinatos, roubos, pobreza, estruturas educacionais precárias e uma estrutura institucional que incentiva tudo isso.
A criminalização das falas, no final, também é sobretudo elitista. Um ato muito comum dentre os defensores da regulação da fala cotidiana e do discurso é justamente o ato de processar pessoas que acabam por desacatá-la, xingá-la ou fazerem qualquer tipo de declaração que a incomode ou acarrete em “fofoca” ou algo parecido.
Esse tipo de ato é um tipo elitista de ato, para se realizar um processo é necessário ter um advogado, pagar um advogado, e, é claro, ter o prestígio necessário para seu caso poder se considerado minimamente razoável — sim, a justiça no Brasil não é tão cega assim. A justiça no Brasil é muito melhor aplicada aos poderosos e prestigiados, nunca se viu nenhum daqueles tantos que são a favor das minorias processando algum membro de uma comunidade carente por ser “racista” ou por usar palavras “racistas” contra um co-morador seu — e o mesmo não é visto entre os moradores desses locais carentes.
Muito pelo contrário, entre essas pessoas, entre esses militantes, é muito mais comum terem nojo e repugnarem as pessoas de tais condições materiais. No final, aquele ímpeto infantil do “ô mãe, ele me xingou!” permaneceu no militante ainda adulto, que substituiu a autoridade de sua mãe pela do juíz, do dinheiro e da opinião alheia.
A PL das Fake News pode resultar e resultará em abusos de poder
São considerados objeto de regulação por parte do governo boa parte do que utilizamos hoje como sendo redes sociais, desde os aplicativos de chat que usam criptografia ponta a ponta (whatsapp) até redes sociais convencionais como Twitter, Instagram, Facebook, e outras que não são tão comumente chamadas assim como Google (que é mais chamado de mecanismo de pesquisa) e Youtube.
A proposta em específico possui alguns pontos polêmicos, primeiro a respeito da criação de uma “entidade de autorregulação”, que seria regulada, a saber, deveria ser reconhecida pelo poder executivo e que atenda aos requisitos do projeto de lei, outro toca na transferência de responsabilidade de conteúdo impróprio divulgado em determinada rede social, e outro isenta plataformas jornalísticas e portais governamentais dessa regulação.
Agora a própria rede social, enquanto pessoa jurídica, e não o indivíduo, que é responsabilizado pelo conteúdo criminoso divulgado nessa rede social. Isso, a uma primeira vista, incentivaria medidas mais drásticas para a rede social, o Twitter, para evitar ser intimado, teria de remover conteúdo impróprio antes da justiça descobrir e, assim, incentiva uma moderação rígida e mais vigilante nas redes sociais.
Vale notar também que no projeto e lei o próprio google é considerada uma rede social, então páginas ou sites indexados que possam ser achadas no google e que tenham conteúdo impróprio renderiam problemas a empresa, o que faria o próprio google ter de tirar preventivamente qualquer conteúdo ou site que possa desagradar algum juiz.
E aqui temos outro problema: o que é considerado conteúdo impróprio? Quem o define? Obviamente, “a lei”, mas a interpretação do que é impróprio dentro da lei acaba ficando complicada ao sairmos daqueles crimes que já nos são bem-conhecidos e odiados com razão por todos nós como assassinatos, roubos e furtos, práticas de desvios sexuais criminosos, etc.
Mas, especialmente quando chegamos em assuntos políticos como a apresentação de críticas ao governo, que muitos culpam como sendo as responsáveis por de algum modo “iludir a cabeça das crianças” e, como que num passe de mágica, colocar uma arma na mão delas e fazê-las atacar a própria escola onde estudam, a questão a ser levantada é: é realmente por causa disso? Será que os conteúdos que são taxados comumente sob rótulos tão fortes correspondem de fato a esses rótulos?
É um absurdo que a culpa seja legada aos “jogos digitais”, ou às redes sociais e nunca se pense sobre como hoje se tratam as crianças, a politização excessiva de nossa convivência e a perda de certos valores já consolidados sobre o que é certo ou errado, sobre a exaustiva rotina dos pais de uma criança que então “não têm tempo” para cuidar de seus filhos e os acabam deixando uma criança ainda em formação, muitas vezes sem o devido discernimento moral e altamente influenciável à mercê de um celular com internet — que, sem dúvida, possui muito conteúdo educativo e de valor para a educação das crianças, mas que nossa sociedade acaba por não valorizar tanto por se dar mais preferência “shorts do youtube”, “reels do instagram” e demais formas de entretenimento rápido e vazio.
O problema é sobretudo moral, mas aqui não há nada que o governo possa fazer, um projeto de lei desse tipo não resolve a crise social de nosso tempo, tenta-se tratar o sintoma e não a doença de fato; pois os próprios membros do governo que tanto quer aprovar esse projeto de lei muito provavelmente já tiveram seus comportamentos já descritos aqui neste texto e, nesse quesito, não são tão diferentes de nós.
Eles sim são partes de nossa sociedade também, de nossa sociedade em crise, e uma sociedade em crise e com tamanhos problemas é impossível haver governo que não partilhe de tais problemas também.
Sabemos, então, que se você espera que a PL das Fake News vá resolver os problemas que ela se propõe a resolver, você está errado. E o problema é muito mais fundamental do que pensamos e não é um que projeto de lei algum vá resolver e enfim encerrar esses problemas.
É uma ilusão, uma atividade impossível que talvez possa ser um belo vislumbre acreditar que os políticos, o “poder executivo”, executará tais leis visando maior benevolência e o benefício de todos e não segundo benefício próprio, segundo critérios pessoais e cada vez mais arbitrários, mas que estão protegidos sob esse verniz da política, do “mantimento da lei e da ordem”.
Não devemos apoiar a PL das Fake News
Em suma, os vários problemas da PL das Fake News são 1) não cabe a ninguém definir e suprimir em toda uma sociedade as informações que são ditas “verdadeiras” ou “falsas”, é impossível uma autoridade ditar o que é verdadeiro ou falso, 2) não se deve proibir falas, por mais nocivas que sejam, juridicamente, isto é, por meio do estado, pois essa é uma regalia de uma classe em específico, cabe às leis coibir somente aqueles atos que de fato violam a integridade pessoal de outrem — por exemplo, é legítimo o combate aos membros de um grupo que cometem violência e que se denominam como caudatários de ideologias como neofascismo, comunismo, radicalismo religioso, etc. — todavia o combate aí é a pessoas específicas em virtude de seus atos e não simplesmente de suas falas.
Um terceiro motivo é que 3) o critério do que é “verdadeiro” ou “falso”, “próprio” ou “impróprio”, ao ser delegado ao governo, dá a ele o poder de reprimir oposições genuínas sob narrativas específicas, tal como correu em outros momentos na história — os mais próximos tendo sido o temeroso caso da Alemanha na década de 30 em seu regime ditatorial e a União Soviética no século XX, hoje também temos os casos de China e Coreia do Norte, países cujas informações que chegam a nós muitas vezes são questionadas sobre o que é manipulação do governo ou o que é enviesamento da imprensa e o que é de fato a notícia verdadeira, um outro exemplo, bem próximo a nós vem do próprio Brasil: o barbarismo da ditadura militar ocorrida no Brasil de 1964 até 1988 — são esses os países modelo a que a PL das Fake News alude, não devemos apoiá-la de modo nenhum.
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