O agronegócio brasileiro sempre foi um dos setores mais importantes para a economia do país, sendo altamente lucrativo e estratégico. No entanto, uma de suas principais características era a dependência de crédito bancário, o que limitava o financiamento por investidores privados. Com as recentes mudanças nas Leis do Agro, essa realidade começou a mudar. Novos instrumentos financeiros, como Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), ampliaram a participação de mais de 1,5 milhão de investidores, gerando um volume de quase R$ 1 trilhão em ativos no setor.
Porém, desde 2021, com a maior tração desses ativos no mercado, o setor também começou a observar um aumento nos índices de inadimplência e pedidos de Recuperação Judicial (RJ), levantando preocupações sobre os riscos envolvidos no financiamento do agronegócio. Um estudo recente da Rivool Finance analisou os fatores que afetam a inadimplência no crédito rural, destacando a forte influência de variáveis macroeconômicas, como a taxa de câmbio, o custo do crédito e, principalmente, os preços de grãos e fertilizantes no mercado internacional.
Preços dos Cereais: O Principal Fator
De todas as variáveis analisadas, o preço internacional dos cereais foi apontado como o fator mais relevante para explicar a inadimplência no crédito rural no Brasil. Aproximadamente 48% das variações na inadimplência são atribuídas às oscilações nesse mercado. Durante períodos de alta nos preços dos cereais, como o ocorrido durante a pandemia da COVID-19, os produtores viram suas receitas aumentarem significativamente, o que lhes permitiu manter suas operações e quitar suas dívidas de maneira mais eficiente.
Por outro lado, à medida que os preços das commodities começaram a se estabilizar e, em alguns casos, a cair, as margens de lucro dos produtores foram reduzidas. Essa queda impactou diretamente a capacidade de pagamento dos agricultores, elevando a inadimplência.
Taxa de Câmbio e Custo do Crédito
Além dos preços dos cereais, o câmbio e o custo do crédito também influenciam os níveis de inadimplência, embora em menor escala. A taxa de câmbio afeta em cerca de 18% as variações na inadimplência ao longo de 12 meses, principalmente porque grande parte dos insumos agrícolas é importada, como os fertilizantes. Já o custo do crédito, apesar de representar 11% das variações na inadimplência, tem seu impacto mais significativo no curto e médio prazo, atingindo o pico de relevância entre o quarto e o sexto mês após a tomada do crédito.
A tabela apresenta como diferentes variáveis impactam a inadimplência no crédito rural ao longo do tempo. Um dos principais destaques é o custo do crédito, que apresenta uma elasticidade de curto prazo bastante alta, em torno de 3,795. Isso significa que um aumento de 1% no custo do crédito leva a um aumento de cerca de 3,8% na taxa de inadimplência. Esse efeito se mostra mais significativo entre os meses 4 e 6, evidenciando um impacto imediato e substancial no curto prazo. No entanto, no longo prazo, a elasticidade do custo do crédito é zero, indicando que, com o tempo, os produtores conseguem se ajustar a essas variações, neutralizando o efeito sobre os níveis de inadimplência.
Quanto ao preço dos fertilizantes, a elasticidade de curto prazo é moderada, com um valor de 0,699, e seu efeito significativo ocorre nos meses 3 a 5. No entanto, o impacto torna-se muito mais pronunciado no longo prazo, com a elasticidade chegando a 3,865. Isso demonstra que, embora os aumentos no preço dos insumos não causem grandes problemas imediatos, eles se acumulam ao longo do tempo, elevando consideravelmente a inadimplência conforme os produtores enfrentam custos de produção mais altos.
O preço dos cereais no mercado internacional se destaca como a variável mais influente sobre a inadimplência no crédito rural. No curto prazo, a elasticidade é de -6,296, enquanto no longo prazo atinge -9,273. Isso significa que um aumento de 1% no preço dos cereais resulta em uma redução de aproximadamente 6,3% na inadimplência no curto prazo e uma queda ainda mais expressiva, de cerca de 9,3%, no longo prazo.
Quando os preços dos cereais estavam elevados, como ocorreu durante a recente alta impulsionada pela pandemia de COVID-19, os produtores viram suas receitas aumentarem substancialmente, o que lhes permitiu não apenas manter suas operações, mas também amortizar suas dívidas. Com a estabilização e posterior queda dos preços das commodities devido à normalização das cadeias de suprimento e à menor demanda, as margens de lucro dos produtores. Além disso, a natureza cíclica dos preços das commodities tem implicações diretas para o mercado de crédito rural, que também passa a ser afetado por ciclos de inadimplência.
Para mitigar os riscos de inadimplência, o estudo sugere algumas medidas importantes. Uma das estratégias é o desenvolvimento de ferramentas de previsão mais precisas, que podem incorporar variações nos preços das commodities, como os cereais, e na taxa de câmbio. Outra alternativa é a diversificação das carteiras de crédito rural. Ao distribuir os empréstimos entre diferentes regiões e tipos de produtores e culturas, os gestores podem reduzir sua exposição a choques específicos em determinados mercados de commodities.
Políticas públicas também colaboram para a redução da inadimplência. Uma das medidas recomendadas é a redução da frequência das renegociações de dívidas, uma prática que pode incentivar comportamentos de risco entre os produtores. Além disso, é necessário limitar o uso indiscriminado de recuperações judiciais, que tendem a prejudicar o mercado de crédito como um todo, aumentando os custos de financiamento para os bons pagadores.
- Cristiano Oliveira – Head of Research na Rivool Finance
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